Há artistas que nascem nos palcos, sob luzes sofisticadas e plateias vestidas de gala. Mas há aqueles que nascem da poeira da rua, da alma do povo e do silêncio que antecede o primeiro acorde em uma calçada qualquer. Lino Lírio é desses últimos — um artista que se fez da coragem de quem canta sem convite, mas com uma missão no peito. Sua trajetória é mais do que uma história de superação: é poesia viva, cantada nos trilhos de um metrô, nos corredores das escolas, nas ruas do Ceará, no coração do Brasil.

Lino começa sua travessia como tantos sonhadores tímidos: isolado no quarto, a vontade de cantar aprisionada dentro do peito. No interior do Ceará, a música borbulhava dentro dele, mas o medo o calava. Até que um dia, com o violão nos braços e uma ousadia que nascia da necessidade de ser escutado, decidiu bater de porta em porta. Literalmente.

Não havia palco, nem plateia comprada. Havia calçadas. Casas com muros baixos. Pessoas que paravam o que estavam fazendo para ouvir um jovem cantar suas próprias músicas. Foi assim que Lino começou: enfrentando o medo com cada nota que soltava, construindo uma carreira com o pé no chão e o coração na mão.

Logo, as calçadas se ampliaram em horizontes. Vieram as escolas. Nos intervalos, os estudantes o ouviam. Lino tocava, sorria, aprendia. A cada nova cidade, uma nova lição. E quando já parecia grande demais para as pequenas cidades do interior, o Rio de Janeiro o chamou. Mas a cidade grande, com sua pressa e seus prédios, impôs outros silêncios.

Na selva de concreto, o artista sentiu o peso da solidão. Tentou tocar na rua, mas o medo voltou. A multidão, o barulho, os olhares apressados. Quantas vezes Lino não voltou pra casa sem tocar uma única canção? Mas persistência é matéria-prima dos sonhadores.

Foi então que encontrou o metrô. Não como refúgio, mas como reinvenção.

No vai e vem dos trilhos, no zumbido dos vagões, Lino descobriu o seu lugar no mundo. Ali, naquele espaço estreito e barulhento, ele encontrou algo que muitos artistas passam a vida procurando: verdade. O vagão, segundo ele mesmo, virou sua escola. Foi ali que aprendeu não apenas o que cantar, mas como cantar. Como se portar. Como se abrir sem medo para desconhecidos que, por alguns minutos, dividem o mesmo destino — e agora também a mesma música.

Lino não é apenas um artista de rua. Ele é um artista de vagão. E isso não é pouco. Porque no vagão, o tempo é curto, mas o impacto pode ser eterno. Cada canção cantada ali carrega a urgência de tocar o coração de quem, talvez, nunca mais será visto. E Lino faz isso com maestria.

Sua missão se esclarece com uma canção do grupo Banda de Pau e Corda: “A missão do cantador”. Ele a toma como bússola. Cantar para o povo. Falar do povo. Ser parte do povo. E por mais que a vida possa levá-lo a grandes palcos, ele já sabe: o vagão continuará sendo o altar mais sagrado de sua arte.

Em 2024, depois de muitas tentativas e desencontros, Lino se inscreveu em um concurso. Sem muitas expectativas — afinal, vinha de várias recusas. Mas a música é generosa com quem a respeita. Dentre mais de 600 inscritos, ele ficou em terceiro lugar. Não por cantar músicas conhecidas, mas justamente por defender, com garra e ternura, sua música autoral.

Lino sempre acreditou nas próprias canções, mesmo quando o mundo parecia surdo a elas. Enquanto outros artistas de rua tocavam o que já era sucesso, ele preferia arriscar: tocar o que vinha da sua alma. E esse reconhecimento foi mais do que um prêmio. Foi uma afirmação de sua identidade como cantor, compositor e mensageiro da rua.

Agora, em 2025, veio a grande estreia. Um show inteiramente autoral, com músicas que passaram anos guardadas — “dentro do armário, pegando poeira”, como ele mesmo diz. Foi a hora de tirá-las da sombra, de entregá-las ao mundo com o cuidado que se dedica a algo precioso.

E desta vez, Lino não estava sozinho. Depois de anos sendo “ele, o violão e a canção”, pela primeira vez ele divide o palco com uma banda. Gente que acredita junto, que sonha junto, que toca com ele não só os instrumentos, mas também os afetos. No palco estavam Marta Roca nas flautas, Rafael Clemente e Rodrigo Silva nas percussões, e Mariana na direção artística. Mais do que colegas: família.

Há algo de profundamente simbólico nesse momento. Lino, o artista que começou batendo de porta em porta, agora abre as portas da sua música para o mundo. Não apenas com coragem, mas com companheirismo. Como ele mesmo diz: “Andorinha só não faz verão.” E ele entendeu que, com a banda, o verão chega com mais força.

Mas não pense que o medo foi embora. Ele ainda está ali — na forma de um frio na barriga absurdo, como Lino confessa. E está tudo bem. O medo é o sal da coragem. Porque só tem medo quem se importa. E Lino se importa. Com a música, com as pessoas, com a verdade que canta. E talvez por isso seja tão bonito vê-lo agora, pronto para estrear, com o peito aberto e o coração na ponta dos dedos.

Se há algo que define Lino Lírio, não é a fama, nem o glamour — é o afeto. A sua música tem cheiro de chão molhado, de tarde em silêncio, de abraço dado com os olhos. E talvez o mundo precise mais disso: de artistas que não cantam para impressionar, mas para tocar. Que não querem ser ouvidos, mas compreendidos. Que não querem ser grandes, mas inteiros.

No último sábado, 02/08. O palco do metrô São Bento estava montado. E mais do que um show, o que se anunciou foi um rito de passagem. Lino Lírio, o menino do quarto no Ceará, o cantor das calçadas, o poeta do vagão, agora se apresentou como o artista que soube transformar a solidão em partilha, o medo em melodia, e a rua em caminho.

Vieram os aplausos. Mas, antes deles, veio o silêncio de quem ouve com o coração aberto. Porque Lino não canta para plateias: ele canta para as pessoas. E isso, no fundo, é o que faz de sua trajetória algo tão raro quanto necessário.

Rafael Marques

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