Rafaella Kawanishi jamais imaginou que um dia a arte se tornaria parte essencial de sua vida. Durante muito tempo, repetia a si mesma, e aos outros, que não tinha talento, tampouco paciência para qualquer forma de expressão artística. Desde a infância, sua relação com o desenho era limitada a formas simples e desajeitadas, sem grande entusiasmo. Tentativas de se aproximar do artesanato, como as aulas de crochê e tricô com sua mãe, resultaram em apenas um tapete feito ao longo de toda a vida. Nada sugeria que a arte a escolheria mais tarde, em um momento de escuridão profunda.

Natural de São Carlos (SP), Rafaella mudou-se para São Paulo aos 19 anos para cursar Letras na USP. Foi lá que conheceu o amor de sua vida, Zé Mário Passos, com quem construiu uma família marcada por afeto e cumplicidade. Kazumi, de 16 anos, e Mateus, de 11, são seus maiores tesouros. Posteriormente, formou-se também em Administração, profissão que ainda exerce até hoje. A maternidade, o trabalho e o cotidiano constituíam sua vida – até que o inesperado aconteceu.

A pandemia trouxe, como para muitos, tempos de medo, incerteza e mudanças. Mas o baque mais duro veio com o diagnóstico da mãe: melanoma, um tipo agressivo de câncer de pele. Foram dez meses intensos, de lutas, idas ao hospital, esperanças e perdas. Após 34 dias de internação, sua mãe faleceu. Foi como perder o chão. Parte dela se foi junto. A dor era insuportável e, com ela, veio o diagnóstico de depressão. Iniciou tratamento com medicamentos e acompanhamento psicológico.

Foi nesse contexto, em meio ao caos emocional, que a arte apareceu — inesperada, silenciosa, transformadora. Tudo começou com livros de colorir, mas a experiência se revelou monótona. Buscando algo mais, encontrou na pintura de mandalas um caminho. Ao pintar sua primeira “mandalinha”, sentiu-se, pela primeira vez em muito tempo, conectada com algo maior, algo que fazia sentido. A partir dali, não parou mais. Vieram novas mandalas, novas cores e, surpreendentemente, as primeiras encomendas.

Rafaella se descobriu mandaleira, artista intuitiva e sensível, capaz de traduzir sentimentos profundos em formas geométricas e cores vibrantes. Mas sua sede de conhecimento a levou além: passou a estudar pintura em tela e a explorar novas técnicas. Hoje, a arte ocupa um espaço central em sua vida — não apenas como expressão estética, mas como instrumento de cura, concentração, meditação e autoconhecimento.

A experiência de Rafaella é um exemplo comovente do poder da arte de regenerar, transformar e salvar. A dor da perda não desapareceu, mas encontrou acolhimento no silêncio do estúdio, no traço do pincel, no pulsar das cores. A artista que dizia não ter talento renasceu das cinzas, e hoje compartilha não apenas beleza, mas também esperança.

Rafaella Kawanishi não é apenas uma artista; é uma sobrevivente, uma mãe, uma mulher que encontrou, nas mandalas e nas telas, a luz que tanto precisava. Hoje, os medicamentos ficaram para trás. Em seu lugar, a presença constante da família, o apoio dos amigos e a fidelidade dos pincéis. A arte, como ela mesma diz, a salvou — e continua salvando, a cada nova criação.

Rafael Marques